Olá, tudo bem ?
O música faz história de hoje apresenta o Testamento de Heiligenstadt, cujo encontrei no blog do Henrique Autran Dourado.
Heiligenstadt é um subdistrito de Viena, na Áustria, belo e
arborizado como todas os vilarejos germânicos. Heiligenstadt quer dizer cidade
sagrada, mas já havia indícios da religiosidade local desde o início do século
12, quando era conhecido como São Miguel, ainda antes da chegada do
cristianismo. A vila remonta a mais de
cinco mil anos, e há vestígios de assentamentos romanos. Séculos depois, com um
comércio de vinhos bastante próspero, passou a ser um dos assentamentos mais
ricos da região.
Viena era o grande centro musical durante o período
clássico, e Beethoven para lá se mudou, pois teria mais público e melhor renda.
Lá, mudou-se dezenas de vezes, ora abandonando suas moradas, outras expulso
pelos senhorios. Não era um inquilino muito fácil, pois era desorganizado,
incomodava com seu fortepiano (precursor do piano moderno), era carrancudo,
malvisto e de poucos amigos.
Apesar de tudo isso, era um nome famoso, coberto de glória.
Prova disso é que, devido ao sem-número de mudanças de residência, um amigo,
decepcionado com as cartas escritas e não recebidas, queria saber, afinal, qual
seria o endereço correto, para que pudesse enviar suas cartas. O compositor:
“escreva apenas ‘Beethoven, Viena’”. Em 1802, Beethoven seguiu os conselhos de
seu médico e mudou-se para Heiligenstadt, lugar mais tranquilo, pastoril,
diferente da capital. Lá, tentou debelar uma crescente e doentia neurose, seu
drama pela perda da audição e um desejo recorrente de suicidar-se.
No final dessa estadia, em 6 de outubro de 1802, Beethoven
escreve uma carta para seus irmãos Carl e Johann, um dos relatos mais candentes
da história da humanidade. Guardou-a em sua escrivaninha, e nunca enviou aos
destinatários. Foi descoberta apenas em 1827, após sua morte, e entrou para a
história como o Testamento de Heiligenstadt, desabafo dramático de um ser
humano no limiar do desespero final.
Confuso, o Testamento menciona o irmão Carl, mas onde
deveria estar o nome de seu outro irmão, Johann, havia um espaço em branco (ver
foto abaixo com a “omissão” assinalada em vermelho) – o que gerou diversas
teorias, sendo que em um documento que deveria produzir efeitos legais,
espelharia certas
preferências familiares do compositor. Teve 19 anos para
cometer a ameaça de suicídio, sem nunca fazê-lo.
“Ó homens que me consideram intratável, insociável, como
estão equivocados! Não conhecem as razões profundas que me levam a parecer
assim. (...) Vivo, há seis anos, padecendo de uma triste doença (N. do A.: a
surdez), agravada pela ignorância dos médicos. Vivo na ilusão da cura deste
mal, que, se for curável, ao menos levará muitos anos. Nascido com um
temperamento vivo, fui sendo obrigado a me isolar em uma vida solitária”.
E prossegue: “como aceitar esse defeito, logo um sentido que
em mim deveria ser mais perfeito do que nos outros? Não me é possível dizer a
todos ‘falem mais alto, gritem, estou surdo’! Devo viver em um exílio”. (...)
“E que humilhação quando alguém percebia o som distante de uma flauta e eu nada
conseguia ouvir! Ou quando escutavam o canto de um pastor e eu nada ouvia!
Esses incidentes me levaram ao desespero e pouco faltou para que, com minhas
próprias mãos, eu encerrasse minha existência. Mas pareceu-me impossível deixar
este mundo sem que houvesse concluído a missão que me confiei”.
A partir daí, Beethoven começam os pedidos: “Peço-vos,
irmãos, assim que me fecharem os olhos, que o professor Schimith, se ainda
estiver vivo, faça em meu nome a descrição de minha doença, e que seja juntada
a isso que escrevo, para que o mundo, depois da minha morte, possa se
reconciliar comigo”. E agora, vai ao testamento material propriamente dito,
para que produza efeitos legais: “Eu os declaro (N. do A.: os irmãos) ambos
herdeiros de minha pequena fortuna. Repartam-na com honestidade e ajudem-se um
ao outro. O que fizeram contra mim, bem sabem, já foi perdoado”.
Beethoven não se furtou a aconselhar seus irmãos e pediu que
suas súplicas fossem extensivas aos seus sobrinhos: “Só a virtude me ergueu da
desgraça, só a ela e à minha música devo não ter encerrado com o suicídio os meus tristes dias. Adeus e me conservem em
suas amizades”. Parecendo que suas
ideias e delírios se avolumavam, assim como os desenvolvimentos perfeitos de
suas sinfonias, prepara-se para morrer, a “coda” (trecho que encerra o
movimento ou a obra) final: “Recebo com felicidade a morte. (...) Ficarei
contente pois ela me livrará deste tormento sem fim. Venha quando quiser, eu a
enfrentarei com coragem! Sejam felizes! Heilingestadt, 6 de outubro de 1802.
Ludwig Van Beethoven.”
Artefatos de Beethoven para auxílio na audição.
Djalma de Campos 11/04/2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário